segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Dia dos Prodígios







Lídia Jorge





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Mantinha a mãe o cabelo de anéis cinza jaspeados, nunca dispostos como durante a penteadura. Se os soltasse eles se alvoraçariam pelos ares, fartos e ondulados como os das mulheres que um dia tinham chegado ao largo pregando num tom desusado de palavras o que nos frascos traziam. E piscavam o olho direito demoradamente. Arredondando a boca vermelha de lacre. Um alixir. Juba. Juba del lion espanhol. Mira qué guapo. Bailando as trunfas. Soltos e anelados, loiros e viridescentes, brilhantinados de cheiro e macieza. Como em tempos meus. Compre osté. (...)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cadernos


Juventude e Cultura




Fidel Castro





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Em todos nós há um sentimento de ódio contra a injustiça e contra os abusos. Ninguém está de acordo quando, na escola, o maior empurra o mais pequeno; toda a gente despreza o que, na escola, quer impor-se pela força abusando dos seus companheiros. E isso era o que estava a ocorrer em todo opaís: os fortes, porque tinham armas na mão, abusavam do povo que era débil. Por isso, quando uma vez, ao falarmos do papel que desempenhavam aquele soldados, dissemos que um dia a fortaleza de Columbia, se converteria numa escola, estávamos a expressar o desejo mais profundo de todos nós.
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quarta-feira, 16 de junho de 2010

As Duas Sombras do Rio







João Paulo Borges Coelho





Jonas levou o recado logo de manhã, acompanhado de um bando de crianças de curiosidade insaciável que ele afastava com um pau que levava na mão mas logo se voltavam a concentrar em seu redor.
Nganga Gomanhundo esperava. Tinha desde o dia anterior a certeza de que acabariam por vir ter com eele.É sempre a mesma coisa: as pessoas andam de roda da enfermeira Inês à procura de coisas novas, desprezando a tradição. Não é que o Nganga seja avesso ao progresso. Afinal, ele próprio foi há dias pedir à enfermeira Inês que lhe curasse uma ferida feia que um prego lhe fez no pé. (...)

sábado, 12 de junho de 2010

Amor de Perdição







Camilo Castelo Branco






Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Menezes, fidalgo de linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama dp Paço, D.Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha dum capitão de cavalos, e neta de outro, António de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável pela sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca de Arte de Guerra.
Dez anos de enamorado, mal sucedido, consumira en Lisboa o bacharel provinciano. Para dazer-se amar da formosa dama de D.Maria I minguavam-lhe dotes físicos.(...)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Quantas Madrugadas Tem a Noite








Ondjaki





Sabes o que é não sentir o coração e sentir o coração, tud'uma batida só, sangue leve ao peito e lágrimas limpas a escorrer? Faz conta foste na pesca, rede e tudo, e em vez do peixe grande meteste a rede na água e te veio uma nuvem? Se é imposssível? Eu sei lá, avilo, eu sei lá...Desde candengue que ando então a ver as nuvens dançar nas peles do mar, e me pergunto: assim calminho, liso tipo carapinha com desfrise, o mar não tem nuvens dele também? (...)