quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sonetos Românticos









Natália Correia








Tal a gota no rio - quem na entende?
Tal no gelo um cristal - quem no percebe?
Tal o raro na rosa que rescende
Feita de todas na populosa sebe;

Tal no sono o sonho n'alma acende
Um lampejo do Eterno que a concebe;
Tal Deus à Deusa Mãe a mão estende;
Tal o lótus no lodo a luz recebe;

Quem sou eu, em comum carne detida?
De Além me vem a veia; o tempo a corta
E em vagos versos jorra a luz perdida,

Íntima à Íbis que em ocluso oriente
Do meu ser guarda o cálix: a semente
Imortal do sopro que abre a porta.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Lituma nos Andes






Mario Vargas Llosa









Quando viu aparecer a índia à porta da choça, Lituma adivinhou o que a mulher ia dizer. E ela disse-o, mas em quechua, mastigando as palavras e soltando um fiozinho de saliva pelas comissuras da boca sem dentes.
- O que está ela a dizer, Tomasito?
- Não percebi bem, meu cabo.
O guarda dirigiu-se à recém-chegada, em quechua também, fazendo-lhe com as mão sinal para que falasse devagar. A índia repetiu os mesmos sons indiscerníveis que davam a Lituma a impressão de uma música bárbara.
Sentiu-se, de repente, muito enervado.
- O que é que ela diz?