quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Nomes Próprios






Ana Belo


Nada nos pertence mais do que o nome. Beleza, dinheiro, empregos, cargos, situações, casas, amores, tudo passa, tudo se modifica. E até mesmo quando deixamos de existir é apenas o nosso nome que fica gravado.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Livro Branco da Melancolia




José Jorge Letria





Onde a Escrita não ousa chegar




(...)
Nem nos quadros, na exaltação das cores,
encontrei quem enfrentasse o sofrimento
com esta paz, com esta laboriosa esperança.
Este sofrimento já se apoderou
de muito do que eu amava,
sem consentir pactos nem tréguas.
(...)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Hamlet



Williams Shakespeare



(...)

Hamlet - Sim, é costume. Mas embora eu tenha nescido neste país e esteja habituado a isto, parece-me que seria mais decoroso quebrar o costume do que mantê-lo. Tais excessos, que embrutecem o entendimento, difamam-nos aos olhos das outras nações, do Oriente ao Ocidente. Chamam-nos ébrios, mancham-nos o nosso nome com esse apodo afrontoso, e na verdade ele só, por mais que tenhamos em alto grau outras qualidades boas, basta para empanar o brilho da nossa reputação.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O Rei Lear



Williams Shakespeare



(...)

Lear - Estás a recordar-me uma ideia que já me havia ocorrido. De facto tenho notado, desde há pouco tempo, certo excesso de negligência e frieza. Mas procurei repelir essa suspeita, como efeito de uma imaginação demasiadamente desconfiada, e não quis tomar essa negligência aparente como indício de grosseria e atitude premeditada. Pensarei detidamente nisso.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Romeu e Julieta



Williams Shakespeare



(...)

Julieta - E que mais desejaria eu, senaão que o fosses? Mas teria receio que as minhas carícias te matassem. Adeus, adeus! Triste é a ausência, e tão doce a despedida que não sei como arrancar-me das grades desta janela.


Romeu - Que o sono descanse nos teus doces olhos, e a paz na tua alma! pudesse ser eu sono, pudesse eu ser a paz em que adormece a tua beleza!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Vamos falar de Cinema



Garcia Escudero



Existe a sétima arte; a oitava arte, diz-se, é a de fazer dinheiro com a sétima. Esta fábrica de sonhos que é o cinema interessa às massas e converte-se imediatamente num negócio são. Os seus inventores, os irmãos Lumière, não o souberam ver. Quando Méliès quer comprar-lhes o seu invento, desiludem-no: "Não se vende, jovem, e agradeça-nos. À parte o seu interesse cientifico, não tem nenhum interesse comercial.". Méliès não acreditou neles, mas quando produz o sua "Viagem à Lua", que tem um comprimento de 280 metros, confessa que devia parecer louco (os filmes correntes não passavam de 60 metros). Mas Méliès não era comerciante: o seu filme deu muito dinheiro mas não a ele, que nem sequer o amortizou. (...)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

António Gedeão


Poesias Completas




Teatro do Mundo-1958



Fala do Homem Nascido


Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

(...)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Nosso Amargo Cancioneiro


José Viale Moutinho





Queixa das Almas Jovens Censuradas



Natália Correia


Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raizes, hastes e corola



dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

(...)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

As Origens do Fascismo



Robert Paris




O Autor :
Especialista francês do período fascista da história italiana. Começou a publicar, em 1962, a sua Histoire du Fascisme en Italie, de que saiu apenas o primeiro volume. É também autor de prefácios aos livros La Révolution Russe, de Rosa Luxemburg, e Sept Essais d'Interpretation de la Realité Péruvienne, de José Carlos Mariategui. Foi colaborador da revista Partisans, editada por François Maspero.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Agora e na Hora da sua Morte



Luis Filipe Costa






Passaram uns anos, eu já andava em Económicas, ía de eléctrico, não tinha carro, e um dia, quase a chegar ao Conde Barão, era muito cedo,as aulas começavam às oito, ía a estudar e de repente olhei pela janela e vi-a. Estava ali na paragem. O carro começou a andar e eu naquela coisa, desço, não desço, não desci.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Os Vagabundos




Maximo Gorky



Soprava do lado do mar um vento húmido e frio que espalhava, através da estepe, a melancolia pensativa da vaga que quebrava o seu ímpeto na margem, e o murmúrio das árvores na costa. Por vezes rajadas de vento traziam até ao braseiro folhas secas e amarelas reanimando a chama; a bruma nocturna do Outono estremecia à nossa volta e por vezes afastava-se durante um segundo, como que assustada, deixando ver à esquerda a estepe sem limites, à direita o mar infinito e na minha frente a silhueta de makar Tchudra, o velho cigano: vigiava os cavalos do seu campo, que se estendia até cerca de cinquenta passos de nós.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Terras




Vasco Pereira da Costa




Saudação a John Steinbeck



Califórnia - paraiso a leste
do meu lado esquerdo
europeu e agreste.

Em Salinas porém ao meu alcance
a ira possível à vista dos vinhedos
pelo poder de um romance.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A Máscara e o Rosto



José Calema



Poeta






Um homem perdido na bruma
duma madrugada sem sol
ergue o estro
e verseja coisas sem nexo
e sem rima.
No seu espírito
há virgens e prostitutas
em haréns hipotéticos
esperando...
- o quê?...
Talvez a vida ou... Nada !

sábado, 9 de fevereiro de 2008

D.Quixote de la Mancha




Miguel de Cervantes







Lavanta-te, senhora minha, pois não é justo que esteja ajoelhada a meus pés aquela que eu tenho na minha alma. Se até agora não tenho demonstrado a verdade do que acabo de dizer, talvez tenha sido por vontade do céu, a fim de que, ao ver a fé constante com que tenho sido amado por ti, saiba melhor e mais completamente amar-te e estimar-te no alto grau que mereces.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A Memória de Ver Matar e Morrer


João de Melo




Estas coisas sucediam na guerra e na paz podre dos dias e do tempo que não ía mudar ainda na nossa vida. Preso nas entranhas de uma revolta sempre muda, o velho Loneque ía metendo as unhas em sua perna inchada de doença, onde que a pele começava já a estalar um pouco em toda a parte uma comichão que apetecia rasgar e ferir, mesmo sem importar no sofrimento que daí viria depois. Falava então na sua voz fatigada, do fundo e do principio da alma, como quem estava a rezar no Deus esquecido de seu sofrimento:
- Aiuê! Chatice bem danada esta guerra num tem fim...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A Morte do Palhaço



Raul Brandão








... Viu-se então um trapo negro, bordado a cores escarlates, vir de cima, lá do alto do circo, e com todo o ruído das bexigas de porco, que prendia na túnica, o Palhaço estoirou na arena, grotesco até na morte...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Palavras Cínicas



Albino Forjaz de Sampaio


Foi em Dostoiewsky que eu encontrei um dia esta frase:"No fundo de cada um dos nossos contemporâneos residem latentes os instintos dum carrasco!"
Não tens tu encontrado, ó caricato, nas tuas horas de angústia, somente semblantes frios, corações empedernidos e ouvidos cerrados? Quantas vezes perguntaste onde estavam a Bondade humana, a justiça humana? Quem te respondeu? Inútil pergunta.
Ninguém.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Este Livro que vos Deixo



António Aleixo



Mote

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.

Glosas

Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos...
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas...
Se elas são p'ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A Divina Comédia





Dante Alighieri







(...)

Depois que no rosto de certos fixei os olhos,
nos quais o doloroso fogo cai,
não conheci nenhum; mas notei

que do pescoço de cada um pendia uma bolsa,
que tinha uma certa cor e certo sinal,
e os seus olhos aprasíam-se em comtemplá-las.

E como eu errava entre eles olhando,
vi uma bolsa de ouro com um campo azul,
que de um leão tinha a forma e atitude.
(...)