terça-feira, 22 de março de 2011

Eurico, o Presbítero






Alexandre Herculano





No recôncavo da baía que se encurva ao oeste de Calpe, Carteia, a filha dos Fenícios, mira ao longe as correntes rápidas do estreito que divide a Europa da África. Opulenta outrora, os seus estaleiros tinham sido famosos antes da conquista romana, mas apenas restam vestígios deles; as suas muralhas haviam sido extensas  e sólidas, mas jazem desmoronadas; os seus edifícios foram cheios de magnificência, mas caíram em ruínas; a sua povoação era numerosa e activa, mas rareou e tornou-se indolente. Passaram por lá as revoluções, as conquistas, toda as vicissitudes da Ibéria durante doze séculos, e cada vicissitude dessas deixou aí uma pegada de decadência. (...)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Coração sem Abrigo







José Jorge Letria








Que dia é hoje? Há quantos dias aqui procurámos abrigo, talvez da chuva, talvez do frio, talvez dos medos sem nome e sem rosto que povoam a noite?
Devias ser tu a velar por mim, mas eu fico de vigília, temendo que me privem da tua companhia, que é a única com que eu ainda conto, e é sempre tão eterna e tão envolvente.
Vá, dorme descansado, que amanhã, uma vez mais, nada teremos de fazer, a não ser deambular pela cidade em busca de coisa nenhuma, passeando  a nossa liberdade de seres indocumentados e sem compromissos de nenhuma espécie. O nosso único compromisso é ir vivendo, eu por ti e tu por mim, como se fôssemos mosqueteiros com um lema romântico para honrar.
(...)