domingo, 31 de julho de 2011

A Volta ao Mundo em 80 Dias




 


Júlio Verne







 
(...)
Mas, no dia 29 de Setembro, as coisas não se passaram assim. O maço de notas não voltou quando o magnífico relógio, pendurado por cima da caixa, anunciou às cinco o fecho do escritório, o Banco de Inglaterra não teve mais opção que passar cinquenta e cinco mil libras pela conta dos ganhos e perdas.
Clara e devidamente reconhecido o roubo, agentes e detectives, escolhidos entre os mais hábeis, foram enviados para os principais portos, para Liverpool, Glasgow, Le Havre, Suez, Brinddisi, Nova Iorque, etc., com a promessa, no caso de sucesso, de uma gratificação de duas mil libras e cinco por cento da quantia que fosse recuperada.
(...)

A Madona








Natália Correia








(...)
-Agora só te falta uma mulher. Concerteza que te queres casar.Tens talvez alguma em vista - insinuei, olhando-te intencionalmente de revés.
Coraste e esclareceste precipitadamente:
- Isso de casamento é negócio que se faz entre as famílias quando somos pequenos. Eu não tive quem me concertasse o negócio.
- Ora, isso não é razão. Hás-de encontrar uma que te agrade - repliquei.
Era evidente que querias afastar do meu espírito a ideia de que haveria um dia uma mulher naquela casa onde eu entrava como uma espécie de loucura que te ía martelar a cabeça. E insististe:
- Os velhos dizem que os casamentos por afeição não dão bom resultado.
Era então isso que pensavas do amor?
(...)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sonetos Românticos









Natália Correia








Tal a gota no rio - quem na entende?
Tal no gelo um cristal - quem no percebe?
Tal o raro na rosa que rescende
Feita de todas na populosa sebe;

Tal no sono o sonho n'alma acende
Um lampejo do Eterno que a concebe;
Tal Deus à Deusa Mãe a mão estende;
Tal o lótus no lodo a luz recebe;

Quem sou eu, em comum carne detida?
De Além me vem a veia; o tempo a corta
E em vagos versos jorra a luz perdida,

Íntima à Íbis que em ocluso oriente
Do meu ser guarda o cálix: a semente
Imortal do sopro que abre a porta.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Lituma nos Andes






Mario Vargas Llosa









Quando viu aparecer a índia à porta da choça, Lituma adivinhou o que a mulher ia dizer. E ela disse-o, mas em quechua, mastigando as palavras e soltando um fiozinho de saliva pelas comissuras da boca sem dentes.
- O que está ela a dizer, Tomasito?
- Não percebi bem, meu cabo.
O guarda dirigiu-se à recém-chegada, em quechua também, fazendo-lhe com as mão sinal para que falasse devagar. A índia repetiu os mesmos sons indiscerníveis que davam a Lituma a impressão de uma música bárbara.
Sentiu-se, de repente, muito enervado.
- O que é que ela diz?

segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Cabeça de Salomé








Ana Paula Tavares







Conta-se que Na-Palavra vivia a sua condição de serpente velha e maldita, guardando o território e a palavra, medindo o tempo na balança de cobre dos antepassados, os guardadores das fontes dos rios no nó do Kassai. Liberto de peso, começava os dias a desenhar na areia o desenho fundador: "Havia uma floresta e dentro dela um lugar único onde nasciam todos os frutos. As árvores expunham, ao vento solto, a sua idade, amarrada em colares delicadamente suspensos pelos troncos. Podiam, mesmo, ver-se os corações de tacula em dias mais claros ou sobre o sopro fresco da tarde."

terça-feira, 17 de maio de 2011

Dizes-me Coisas Amargas como Frutos







Ana Paula Tavares








O Lago


Tão manso é o lago dos teus olhos
que temo avançar a mão
cortar as águas
e semear o espanto
na descoberta
da minha sede antiga.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O Casamento Ardiloso







Cervantes






Segundo  parece, os ciganos e as ciganas vieram ao mundo só para furtar. Nasceram de pais ladrões, criaram-se no meio de ladrões, estudam para ladrões e acabam logicamente por fazer-se ladrões sabidos, trabalhando às quatro rodas, em que a gana de furtar e o acto de furtar são coisas inseparáveis que só perdem com a morte. Assim, uma desta raça, cigana velha que podia ser jubilada na arte de Caco, criou uma garota como se fosse sua neta, a quem pôs o nome de Preciosa e ensinou todas as suas ciganices, embustes e traças de furtar. Esta Preciosa saiu a dançarina mais hábil que existia em todo o reino cigano e a mais formosa e esperta que poderia encontrar-se não só  entre os ciganos (...)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Terna é a Noite







F. Scott Fitzgerald








(...)
Era agradável fazer a viagem de regresso para o hotel, ao cair da tarde, sobre um mar tão misteriosamente colorido como as ágatas e as coralinas de infância, esverdeado como o leite fresco, azulado como a água da barreia, escuro como o vinho. Era agradável passar pelas pessoas que comiam ao ao livre à porta das suas casas e ouvir o som estridente dos pianos mecânicos, por detrás das latadas dos pequenos cafés de aldeia. Quando deram a volta à Comiche d'Or e desceram até ao Hotel de Gausse por entre filas sombrias de árvores dispostas umas atrás das outras em muitos tons de verde, a Lua pairava já sobre as ruínas dos aquedutos...

(...)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Corpo Recusado







Luisa Dacosta








Antecipação de Outono

Era exasperante senti-la apargar-se. Fria, insensível ao gesto de afago, só porque lhe travara um entusiasmo. A irreverência fazia parte do encanto adolescente que soubera conservar, mas tornava-a por vezes insuportável, com a mania de viver a vida, respiração a respiração, como se fosse morrer no momento seguinte. A fazer de conta que... Hostil? Alheada? Voluntariamente perdida no vaivém das ondas, no molhe sul, na lira dos mastros da enseada, corrida pelo vento.
(...)

sábado, 2 de abril de 2011

A Maresia e o Sargaço dos Dias









 

Luisa Dacosta





 

Imagem no Espelho



Raiz de pedra,
corpo de vento,
olhos de água.
Assim sou
entre pássaros, flor e mágoa.

terça-feira, 22 de março de 2011

Eurico, o Presbítero






Alexandre Herculano





No recôncavo da baía que se encurva ao oeste de Calpe, Carteia, a filha dos Fenícios, mira ao longe as correntes rápidas do estreito que divide a Europa da África. Opulenta outrora, os seus estaleiros tinham sido famosos antes da conquista romana, mas apenas restam vestígios deles; as suas muralhas haviam sido extensas  e sólidas, mas jazem desmoronadas; os seus edifícios foram cheios de magnificência, mas caíram em ruínas; a sua povoação era numerosa e activa, mas rareou e tornou-se indolente. Passaram por lá as revoluções, as conquistas, toda as vicissitudes da Ibéria durante doze séculos, e cada vicissitude dessas deixou aí uma pegada de decadência. (...)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Coração sem Abrigo







José Jorge Letria








Que dia é hoje? Há quantos dias aqui procurámos abrigo, talvez da chuva, talvez do frio, talvez dos medos sem nome e sem rosto que povoam a noite?
Devias ser tu a velar por mim, mas eu fico de vigília, temendo que me privem da tua companhia, que é a única com que eu ainda conto, e é sempre tão eterna e tão envolvente.
Vá, dorme descansado, que amanhã, uma vez mais, nada teremos de fazer, a não ser deambular pela cidade em busca de coisa nenhuma, passeando  a nossa liberdade de seres indocumentados e sem compromissos de nenhuma espécie. O nosso único compromisso é ir vivendo, eu por ti e tu por mim, como se fôssemos mosqueteiros com um lema romântico para honrar.
(...)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Produto Interno Lírico






 

José Jorge Letria








- Sobre os poetas que inventam

Tenho na mesa uma estrela do mar
e na almofada uma rosa dos ventos,
Tudo me sabe a viagem, mesmo quando
permaneço imóvel, separando  no cais
o centeio e o vinho, a pimenta eo ouro.
Não fui almirante de nenhuma armada
nem grumete de nenhum naufrágio;
fui nau frágil da loucura das ondas,
o albatroz rendido ao chamamento de longe,
a sereia apodrecida nas redes da faina.
(...)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Corpo Invisível






Mário Cesariny







 

A esta hora entre blocos de prédios enevoados
                    a bela mancha diurna dos calceteiros na praça
e os dois amantes que hoje não dormiram vão partir nos
                    braços da sua estrela
à beira do caminho ladeado de sebes de espinheiro
uma carta
uma letra muito fina                 extremamente caligráfica
onde a aventura do homem que devolve as palavras que
                   lhe são remetidas
deixou a sua marca
e o duque da terceira levanta o braço
(...)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Estorvo



 

Chico Buarque




(...)
A garota surge correndo pelas minhas costas e atira-se no pescoço da mãe. Usa uniforme escolar, lancheira amarrada nos ombros e tranças de maria-chiquinha. Minha irmã dá-lhe um beliscão nas bochechas, senta-a nos joelhos e faz cavalo maluco, faz cosquinhas nos sovacos, beija neijo de índio e vira a narciana de um olho só. Elas colam perfil contra perfil e quedam horas assim, uma querendo ser a cara da outra. A menina diz "agora chega", pula para o chão, avança no cream cracker e por acaso nota a minha presença.(...)

domingo, 16 de janeiro de 2011

Páginas Escolhidas





Oliveira Martins




O Império de Alexandre

A Orgia militar



Poucas individualidades haverá que representam mais a história do que Alexandre, e nenhuma que de um modo tão acabado venha consumar os destinos marcados pelas circunstâncias à vida de uma nação. Por isso a História viu sempre em Alexandre o primeiro dos seus heróis. A deslumbrante violência com que, rompendo as fronteiras da Grécia antiga, e alargando o Império Helénico pelo mundo então conhecido, satisfaz os inconscientes desejos dum pensamento já demasiado largo para os limites da anfictionia histórica; (...)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Histórias do Fundo da Noite






José Jorge Letria




Diálogo de Cegos




- Quando se eclipsa a luz dos nossos olhos, só  a luz interior nos ilumina.
- Essa luz, afinal, o que nos permite ver?
- Ensinou-me a experiência que nos permite ver a vileza dos homens e as catástrofes que ainda estão reservadas para a humanidade.
- Mas essa clarividência só a têm os poetas.
- Dizes isso porque ambos somos poetas.
- E também somos cegos, já agora.
(...)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Werther




Goethe





9 de Maio
Nunca peregrino algum visitou os santos lugares com mais devoção do que eu os lugares que me viram nascer, e não sentiu mais inesperadas sensações. Ao pé de uma grande tília que fica a um quarto de légua da cidade, mandei parar, desci da carruagem e disse ao cocheiro que continuasse, para eu próprio caminhar a pé e gozar a frescura e vivacidade de cada reminiscência. Parei ali, debaixo da tília que era na minha infância o termo dos meus passeios. Que mudança!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Salvação de Wang-Fô e Outros Contos Orientais



 

Marguerite Yourcenar




O velho pintor Wang-Fô e o seu discípulo Ling erravam pelas estradas do reino de Han.
Avançavam devagar, pois Wang-Fô parava de noite para comtemplar os astros, de dia, para olhar as libélulas. Ìam pouco carregados, pois Wang-Fô amava a imagem das coisas e não as próprias coisas, e nenhum objecto do mundo lhe parecia digno de ser adquirido, excepto pincéis, boiões de laca e de tinta-da-china, rolos de seda e papel de arroz. Eram pobres, pois Wang Fô trocava as suas pinturas por um caldo de milho miúdo e desprezava as moedas de prata. O seu discípulo Ling, vergado ao peso de um saco cheio de esboços, curvava respeitosamente as costas como se carregasse a abóboda celeste, pois aquele saco, aos olhos de Ling, ía cheio de montanhas sob a neve, de rios pela primavera e do rosto da lua no Verão.
(...)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Conversas com Saramago






José Carlos de Vasconcelos






ESTE LIVRO REÚNE SEIS ENTREVISTAS COM JOSÉ SARAMAGO, datadas de Abril de 1989 a Novembro de 2006,saídas três delas no JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, e as outras três na Visão. Em mais de meio século a escrever para jornais e revistas, é a primeira vez que publico em livro alguns desses textos. Quando em 1966 entrei para a redacção do Diário de Lisboa, após vários anos de colaboração e/ou coordenação em imprensa local, cultural e associativa, e de publicação por aquele prestigioso vespertino de reportagens que por minha própria iniciativa fiz, o meu primeiro trabalho de fundo foi uma outra (longa) séria de reportagens sobre o tema, então muito na berra, "Como viveremos no ano 2000?". (...)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

História da Minha Vida





Giacomo Casanova





Foi dois dias depois da minha chegada a Fontainebleau que visitei sozinho a corte. Tinha visto o garboso rei ir à missa, toda a família e todas as damas da corte, que tanto me surpreenderam pela sua fealdade como me tinha surpreendido pela sua beleza as da corte de Turim. Mas ao ver uma surpreendente beleza entre tanta fealdade, perguntei em certo momento como se chamava a dama.
- É Madame de Brionne, cavalheiro, mais prudente ainda que formosa. Não só não corre nenhuma história sobre ela, senão que jamais deu o menor motivo para que a maledicência pudesse inventar uma.
- Talvez não se tenha sabido de nada.
- Não, cavalheiro, na corte sabe-se tudo.
(...)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Auto da Barca do Inferno & Auto da Alma







Gil Vicente






O primeiro entrelocutor é um Fidalgo que chega com um Page que lhe leva um rabo mui comprido e na cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o fidalgo venha.

DIABO-

À barca, à barca, houlá!
Que temos gentil maré!
- Ora venha o carro à ré!

DIABO-

Feito, feito!
Bem está!
Vai tu muitieramá,
atesa aquele palanco
e deseja aquele banco
para a gente que vinrá.
(...)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

As Pequenas Memórias







José Saramago






À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naqueles lugares por assim dizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral no século décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nada ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imagino que desde a criação do mundo), e que, até onde alcançam as minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, embora das suas margens tenha saido um número infinito de vezes. A menos de um quilómetro das últimas casas, para sul, o Almonda, que é esse o nome do rio da minha terra, encontra-se com o Tejo, ao qual (ou a quem, se a licença me é permitida), ajudava, em tempos idos, na medida dos seus limitados caudais, a alargar a lezíria quando as nuvens despejavam cá para baixo as chuvas torrenciais do inverno(...)








quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Histórias de O






Pauline Reage





O apartamento onde Ó morava estava situado na Ilha Saint-Louis, no último andar de uma velha casa que dava para sul, virada para o Sena. Os aposentos da parte de trás eram águas-furtadas, amplos e baixos, e os da frente, que eram dois, abriam-se para varandas cavadas na inclinação do telhado. Um deles era o quarto de Ó, o outro, onde, do chão ao tecto, numa parede, prateleiras com livros enquadravam a lareira, servia de salão, de escritório, e mesmo de quarto se se quisesse: havia um grande divã diante das duas janelas e em frente da lareira uma grande mesa antiga.(...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Este Pais Não é Para Velhos






Cormac McCarthy




(...)
A rua ainda estava vedada com fitas, mas não havia grande coisa para ver. A fachada do Hotel Eagle estava toda crivada de balas e havia cacos de vidro no passeio ao londo de ambos os lados da artéria. Os automóveis de pneus furados e vidros estilhaçados a tiro e com a chapa crivada de buracos, cada orifício orlado por um pequeno anel de aço sem pintura. O Cadillac fora rebocado e os cacos de vidro que cobriam o asfalto varridos para a berma e o sangue lavado com mangueiras.
Quem é que tu achas que estava no hotel?
(...)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Nove Semanas e Meia





Elizabeth McNeil




Ponho o cronómetro da cozinha para que toque dentro de meia hora. Serão então três da tarde, e submergir-me-ei na nova conta, uma grossa pasta que é preciso estudar. Planearei a minha estratégia. Enquanto isso, escreverei à máquina. Uma mulher contou-me o que tinha vivido com um homem o ano que passou a escrever o seu primeiro livro, e que ele, todas as noites, às onze em ponto, subia o volume da televisão e dizia:-Quando vais acabar de escrever à máquina?
Ela tornou-se perita em reconhecer o preciso instante em que tinha de parar, -entre as duas e três da manhã,- mesmo antes dele começar a atirar cadeiras, livros, garrafas.
(...)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Antologia de Autores Portugueses



 


Virginia Motta-Augusto Reis Góis-Irondino Teixeira de Aguiar




 

A Língua Portuguesa, de que muito justamente nos orgulhamos é obra de todos nós - do nosso esforço nasceu. Muitos séculos de convívio a aperfeiçoaram e poliram, muitos escritores a tornaram mais apropriada e mais dócil. Nem sempre foi assim, tão agressiva e harmoniosa: a nossa língua já foi rude e hesitante... Teve a sua infância.
O Poortuguês resultou da lenta, gradual evolução do latim que os colonos romanos trouxeram para a Península, após a conquista.(...)


sábado, 23 de outubro de 2010

Basta-me Viver



 


Carlos Vale Ferraz




 
A família Gonzaga é uma família vastíssima e antiquíssima em Luanda e arredores. O primeiro Gonzaga veio do Brasil no tempo de Salvador Correia de Sá e da invasão dos holandeses, no século XVI, e ficou por cá a cruzar-se com as filhas dos potentados locais para produzir os Ganzaga de casa, os de dentro, os legítimos, e a fazer filhos nas escravas, os filhos do quintal, os de fora, os bastardos.

Os Gonzaga resultantes das duas linhas eram todos mulatos, mas havia tonalidades diferentes e uns tinham olho azul, outros verdes e ainda outros castanho. Desenvvolveram o modo de se reproduzir do fundador da família e essa tornou-se a base do seu êxito como família de poder, porque, sendo legítimos ou bastardos, de casa ou do quintal, todos eram Gonzaga e muito cientes da sua posição.(...)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Amante de Lady Chatterley






D.H.Laurence







(...)
Clifford tinha passado um período de tempo demasiado longo nas mãos de enfermeiras, e odiava-as porque não o deixavam ter a sua vida privada. E um criado!... detestaria ter um homem a encarregar-se dele. Quase preferia uma nulher. Mas porque não havia de ser Constance?
As duas irmãs pertiram na manhã seguinte. Constance parecia um cordeiro pascal, muito pequena, ao lado de Hilda, que ia ao volante.Sir Malcolm não estava em Londres, mas a asa de Kensington continuava aberta.
O médico observou Constance rigorosamente e fez-lhe todo o tipo de perguntas sobre a sua vida.
(...)

domingo, 10 de outubro de 2010

Guia Prático da Revelação de Películas a Cores







Derek Watkins






A reprodução fotográfica da cor é na sua essência muito simples. Na película há três camadas de emulsão, seleccionadas de forma a que cada uma delas seja sensível a um terço do espectro da luz visível. A camada superior é sensível à luz azul, a segunda camada é sensível à luz verde e a terceira camada, junto do suporte transparente, é sensível à luz vermelha. Com estas três camadas é possível reproduzir qualquer cor.
(...)

domingo, 3 de outubro de 2010

Um Crime no Expresso do Oriente






Agatha Christie






Mary Debenham estava sentada a uma das mesas grandes com duas senhoras. Uma delas era uma senhora alta de meia idade com uma blusa axadrezada e uma saia tweed. O cabelo de um tom amarelo pálido estava penteado desajeitadamente num grande carrapito, usava óculos e tinha um rosto comprido, meigo e afável como uma ovelha. Estava a ouvir a outra senhora, uma robusta idosa de rosto agradável que falava com uma voz lenta, clara e monótona que não dava mostras de parar nem para retomar o fôlego
(...)

domingo, 26 de setembro de 2010

Raças de Gatos




Louisa Somerville






Os gatos começaram a ser domesticados na pré-história, há cerca de 5000 anos. Ao longo da história da humanidade, têm sido muito valorizados por eliminarem alguns roedores e pelas qualidades ornamentais. No entanto, considerando a nossoa longa relação com os felinos domésticos, os gatos de raça pura são recentes.
Quantas raças consegue identificar? Talvez reconheça algumas das seguintes: Persa, Tonquinês, Burmês. Estas são apenas algumas das cerca 40 raças reconhecidas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Emmanuelle






Emmanuelle Arsan





A tarde, além das vigias encobertas, de seda, passou sem que Emmanulle tivesse tempo de fazer outra coisa que não fosse comer doces, bebericar um chá, folhear, sem ler, uma revista enprestada pela hospedeira (recusou a segunda para não se distrair da novidade de "voar").

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sob os Telhados de Paris








Henry Miller






(...)
Não percebo muito bem onde é que ela quer chegar, mas entretanto começa a falar de Jade. Existe uma pequena jóia, diz-me conspirativamente, que ela obteve há pouco tempo de contrabando, uma gema verdadeira que pertenceu a imperadores e que venderá por uma fracção do seu valor... e refere a importância que corresponde ao meu ordenado, quase até ao último tostão.
Fico furioso. É óbvio que há qualquer coisa de suspeito e tenho a impressão de que ela quer que eu compreenda que me está a levar.
(...)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

As Dez Figuras Negras







Agatha Christie







Foi tão súbito e inesperado que todos sustiveram a respiração. Ficaram estupidamente de olhos postos na
figura escolhida.
Em seguida, o Dr. Armstrong levantou-se de um salto e aproximou-se dele, ajoelhando-se a seu lado. Quando levantoua acabeça, a expressão dos seus olhos era de espanto.Num murmúrio soprado, carregado de pavor, disse:- Meu Deus! O homemestá morto.
(...)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Tarantin de Tarascon







Alphonse Daudet








O Cavaleiro do Templo dispondo-se a uma sortida contra o infiel que o sitia, o "tigre" chinês armando-se para a batalha, o guerreiro comanche palmilhando a vereda de ataque, tudo isto pouco ou nada é comparado com Tarantin de Tarascon a armar-se dos pés à cabeça para ir ao grémio, às nove horas da noite, uma hora depois do toque de recolher dos clarins.

(...)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Segredos do Cosmos








Colin A. Ronan







O Sol é a estrela que se encontra mais próxima de nós no espaço, a uma distância de cerca de 150 milhões de quilómetros. A Terra descreve uma volta completa à volta do Sol no espaço de um ano, na companhia de uma multidão de outros corpos celestes. Podemos avistar alguns destes corpos, sem necessidade de telescópio, no firmamento nocturno, dando a impressão de vaguear entre as estrelas. (...)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Crónica de uma Travessia


Luis Cardoso



 

Díli ainda era uma cidade apagada de luz eléctrica quando fomos despejados na praia de Lecidere, próxima do Paço Episcopal. Dirigimo-nos à residência do bispo, o então D.Jaime Cardoso Goulart, que nos abençoou, ainda hoje não sei se com pena da minha família ou se abençoava a dura tarefa do desterrado pela profissão. Na praia, a minha mãe, angustiada, acendeu o petromax e percorreu toda extensão do areal para iluminar o mar em busca do beiro que nos haveria de transportar à ilha de Ataúro, a qual, no breu da noite, se dobrava sobre si mesma como uma tartaruga gigante feita terra para se eternizar.
(...)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Principios da Filosofia







Descartes






(...)
Ora como não é das raízes nem dos troncos das árvores que se colhem os frutos, mas tão-somente das extremidades dos ramos, a principal utilidade da filosofia depende, portanto, daquelas partes que são aprendidas em derradeiro lugar. Porém, as ignore quase todas, o zelo com que sempre me esforcei por prestar serviço ao público, levou-me a mandar imprimir, há dez ou doze anos, alguns ensaios sobre as coisas que me era dado supor haver abrangido. (...)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Passado e o Futuro







Álvaro Cunhal





(...)
O terceiro erro dos capitalistas foi continuarem a fazer vida como dantes. Como se nada tivesse acontecido, como se os trabalhadores não tivessem agora a possibilidade de conhecer as suas falcatruas, os administradores continuaram a ir ao estrangeiro nas suas passeatas pagas pelas empresas. Continuaram a receber ajudas de custo de 2 contos diários e mais. Continuaram a ordenar que bancos e outras sociedades fizessem empréstimos de milhares de contos, sem juros, às mulheres e outros familiares. Continuaram a pagar à conta das empresas, moradias, carros, prendas de anos, almoços diários nos restaurantes mais caros. Para comprar moradias e outros bens, o Cardoso da Fundição de Oeiras desviou mais de 100.000 contos de créditos concedidos á empresa. (...)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Mandarim







Eça de Queirós





(...)
Então, pensando em Lisboa, o meio dormente em que me movia, era favorável ao desenvolvimento dessas imaginações - parti, viajei sobriamente, sem pompa, com um baú e um lacaio.
Visitei, na sua ordem clássica, Paris, a banal Suiça, Londres, os lagos taciturnos da Escócia; ergui a minha tenda diante das muralhas evangélicas de Jerusalém; e de Alexandria a Tebas, fui ao comprido desse longo Egipto monumental e triste como o corredor de um mausoléu.
(...)

domingo, 1 de agosto de 2010

História Geral da Civilização







Adriano Vasco Rodrigues





Não podemos hoje compreender a génese e a elaboração das bases materiais e espirituais, e particularmente da civilização ocidental, se não conhecermos os notáveis progressos realizados pela revolução arqueológica que, em menos de um século, descobriu milhares de anos de existência humana sobre a Terra. (...)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Páginas Escolhidas







Oliveira Martins







Poucas individualidades haverá que representam mais completamente a história do que Alexandre, e nenhuma que de um modo tão acabado venha consumar os destinos marcados pelas circunstâncias à vida de uma nação.Por isso a história viu sempre em Alexandre o primeiro dos seus heróis. A deslumbrante violência com que, rompendo as fronteiras da Grécia antiga, e alargando o Império Helénico pelo mundo então conhecido, satisfaz os inconscientes desejos dum pensamento já demasiado largo para os limites da anfictionia histórica; o modo por que realiza na história política e militar as ideias gerais (...)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Roteiro da Cidade de Deus







M. Alves de Oliveira






O estado "paradisíaco" em que foi criado o primeiro casal humano tem como característica essencial a familiaridade com Deus, inerente ao destino sobrenatural a que Deus destinara os homens, isto é, à participação da própria vida divina. Orientados para a visão beatífica, os nossos primeiros pais mantinham, desde o oinício, relações de amizade com Deus, em virtude dos dons de santidade e justiça - não devidos à sua natureza humana - e aos quais estavam unidos os dons da imortalidade corporal e o perfeito domínio das paixões (...)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Górgias






Platão





Sócrates - Muito bem. Ora, uma vez que te apresentas como alguém versado na arte da retórica e capaz de formar outros oradores, diz-me qual é o objecto da retórica. A tecelagem, por exemplo, trata da fabricação do vestuário, não é verdade?

Górgias - Trata.

Sócrates - E o objecto da música é a composição de melodias?

Górgias - É

Sócrates - Por Hera, Górgias, admiro as tuas respostas, que mais breves não podiam ser.

Górgias - Também creio, Sócrates, que não me saio disto nada mal.
(...)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Comentários Reais







Inca Garcilaso de La Vega





(...)
O Inca Manco Capac, ao mesmo tempo que fundava os seus povoados e ensinava os seus vasssalos a lavrar a terra e a construir casas, a tirar acéquias e a fazer as demais coisas necessárias à vida humana, ía-os instruíndo na urbanidade, companhia e fraternidade que deviam fazer uns com os outros, conforme ao que a razão e a lei natural lhes ensinavam, convencendo-os com muita eficácia de que, para que entre eles houvesse perpétua paz e concórdia e não nascessem rancores nem paixões, deviam fazer com todos o que quisessem que todos fizessem com eles; porque não se permitia querer uma lei para si e outra para os outros.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Dia dos Prodígios







Lídia Jorge





(...)
Mantinha a mãe o cabelo de anéis cinza jaspeados, nunca dispostos como durante a penteadura. Se os soltasse eles se alvoraçariam pelos ares, fartos e ondulados como os das mulheres que um dia tinham chegado ao largo pregando num tom desusado de palavras o que nos frascos traziam. E piscavam o olho direito demoradamente. Arredondando a boca vermelha de lacre. Um alixir. Juba. Juba del lion espanhol. Mira qué guapo. Bailando as trunfas. Soltos e anelados, loiros e viridescentes, brilhantinados de cheiro e macieza. Como em tempos meus. Compre osté. (...)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cadernos


Juventude e Cultura




Fidel Castro





(...)
Em todos nós há um sentimento de ódio contra a injustiça e contra os abusos. Ninguém está de acordo quando, na escola, o maior empurra o mais pequeno; toda a gente despreza o que, na escola, quer impor-se pela força abusando dos seus companheiros. E isso era o que estava a ocorrer em todo opaís: os fortes, porque tinham armas na mão, abusavam do povo que era débil. Por isso, quando uma vez, ao falarmos do papel que desempenhavam aquele soldados, dissemos que um dia a fortaleza de Columbia, se converteria numa escola, estávamos a expressar o desejo mais profundo de todos nós.
(...)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

As Duas Sombras do Rio







João Paulo Borges Coelho





Jonas levou o recado logo de manhã, acompanhado de um bando de crianças de curiosidade insaciável que ele afastava com um pau que levava na mão mas logo se voltavam a concentrar em seu redor.
Nganga Gomanhundo esperava. Tinha desde o dia anterior a certeza de que acabariam por vir ter com eele.É sempre a mesma coisa: as pessoas andam de roda da enfermeira Inês à procura de coisas novas, desprezando a tradição. Não é que o Nganga seja avesso ao progresso. Afinal, ele próprio foi há dias pedir à enfermeira Inês que lhe curasse uma ferida feia que um prego lhe fez no pé. (...)

sábado, 12 de junho de 2010

Amor de Perdição







Camilo Castelo Branco






Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Menezes, fidalgo de linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama dp Paço, D.Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha dum capitão de cavalos, e neta de outro, António de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável pela sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca de Arte de Guerra.
Dez anos de enamorado, mal sucedido, consumira en Lisboa o bacharel provinciano. Para dazer-se amar da formosa dama de D.Maria I minguavam-lhe dotes físicos.(...)