quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Estorvo



 

Chico Buarque




(...)
A garota surge correndo pelas minhas costas e atira-se no pescoço da mãe. Usa uniforme escolar, lancheira amarrada nos ombros e tranças de maria-chiquinha. Minha irmã dá-lhe um beliscão nas bochechas, senta-a nos joelhos e faz cavalo maluco, faz cosquinhas nos sovacos, beija neijo de índio e vira a narciana de um olho só. Elas colam perfil contra perfil e quedam horas assim, uma querendo ser a cara da outra. A menina diz "agora chega", pula para o chão, avança no cream cracker e por acaso nota a minha presença.(...)

domingo, 16 de janeiro de 2011

Páginas Escolhidas





Oliveira Martins




O Império de Alexandre

A Orgia militar



Poucas individualidades haverá que representam mais a história do que Alexandre, e nenhuma que de um modo tão acabado venha consumar os destinos marcados pelas circunstâncias à vida de uma nação. Por isso a História viu sempre em Alexandre o primeiro dos seus heróis. A deslumbrante violência com que, rompendo as fronteiras da Grécia antiga, e alargando o Império Helénico pelo mundo então conhecido, satisfaz os inconscientes desejos dum pensamento já demasiado largo para os limites da anfictionia histórica; (...)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Histórias do Fundo da Noite






José Jorge Letria




Diálogo de Cegos




- Quando se eclipsa a luz dos nossos olhos, só  a luz interior nos ilumina.
- Essa luz, afinal, o que nos permite ver?
- Ensinou-me a experiência que nos permite ver a vileza dos homens e as catástrofes que ainda estão reservadas para a humanidade.
- Mas essa clarividência só a têm os poetas.
- Dizes isso porque ambos somos poetas.
- E também somos cegos, já agora.
(...)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Werther




Goethe





9 de Maio
Nunca peregrino algum visitou os santos lugares com mais devoção do que eu os lugares que me viram nascer, e não sentiu mais inesperadas sensações. Ao pé de uma grande tília que fica a um quarto de légua da cidade, mandei parar, desci da carruagem e disse ao cocheiro que continuasse, para eu próprio caminhar a pé e gozar a frescura e vivacidade de cada reminiscência. Parei ali, debaixo da tília que era na minha infância o termo dos meus passeios. Que mudança!