quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Salvação de Wang-Fô e Outros Contos Orientais



 

Marguerite Yourcenar




O velho pintor Wang-Fô e o seu discípulo Ling erravam pelas estradas do reino de Han.
Avançavam devagar, pois Wang-Fô parava de noite para comtemplar os astros, de dia, para olhar as libélulas. Ìam pouco carregados, pois Wang-Fô amava a imagem das coisas e não as próprias coisas, e nenhum objecto do mundo lhe parecia digno de ser adquirido, excepto pincéis, boiões de laca e de tinta-da-china, rolos de seda e papel de arroz. Eram pobres, pois Wang Fô trocava as suas pinturas por um caldo de milho miúdo e desprezava as moedas de prata. O seu discípulo Ling, vergado ao peso de um saco cheio de esboços, curvava respeitosamente as costas como se carregasse a abóboda celeste, pois aquele saco, aos olhos de Ling, ía cheio de montanhas sob a neve, de rios pela primavera e do rosto da lua no Verão.
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Conversas com Saramago






José Carlos de Vasconcelos






ESTE LIVRO REÚNE SEIS ENTREVISTAS COM JOSÉ SARAMAGO, datadas de Abril de 1989 a Novembro de 2006,saídas três delas no JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, e as outras três na Visão. Em mais de meio século a escrever para jornais e revistas, é a primeira vez que publico em livro alguns desses textos. Quando em 1966 entrei para a redacção do Diário de Lisboa, após vários anos de colaboração e/ou coordenação em imprensa local, cultural e associativa, e de publicação por aquele prestigioso vespertino de reportagens que por minha própria iniciativa fiz, o meu primeiro trabalho de fundo foi uma outra (longa) séria de reportagens sobre o tema, então muito na berra, "Como viveremos no ano 2000?". (...)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

História da Minha Vida





Giacomo Casanova





Foi dois dias depois da minha chegada a Fontainebleau que visitei sozinho a corte. Tinha visto o garboso rei ir à missa, toda a família e todas as damas da corte, que tanto me surpreenderam pela sua fealdade como me tinha surpreendido pela sua beleza as da corte de Turim. Mas ao ver uma surpreendente beleza entre tanta fealdade, perguntei em certo momento como se chamava a dama.
- É Madame de Brionne, cavalheiro, mais prudente ainda que formosa. Não só não corre nenhuma história sobre ela, senão que jamais deu o menor motivo para que a maledicência pudesse inventar uma.
- Talvez não se tenha sabido de nada.
- Não, cavalheiro, na corte sabe-se tudo.
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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Auto da Barca do Inferno & Auto da Alma







Gil Vicente






O primeiro entrelocutor é um Fidalgo que chega com um Page que lhe leva um rabo mui comprido e na cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o fidalgo venha.

DIABO-

À barca, à barca, houlá!
Que temos gentil maré!
- Ora venha o carro à ré!

DIABO-

Feito, feito!
Bem está!
Vai tu muitieramá,
atesa aquele palanco
e deseja aquele banco
para a gente que vinrá.
(...)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

As Pequenas Memórias







José Saramago






À aldeia chamam-lhe Azinhaga, está naqueles lugares por assim dizer desde os alvores da nacionalidade (já tinha foral no século décimo terceiro), mas dessa estupenda veterania nada ficou, salvo o rio que lhe passa mesmo ao lado (imagino que desde a criação do mundo), e que, até onde alcançam as minhas poucas luzes, nunca mudou de rumo, embora das suas margens tenha saido um número infinito de vezes. A menos de um quilómetro das últimas casas, para sul, o Almonda, que é esse o nome do rio da minha terra, encontra-se com o Tejo, ao qual (ou a quem, se a licença me é permitida), ajudava, em tempos idos, na medida dos seus limitados caudais, a alargar a lezíria quando as nuvens despejavam cá para baixo as chuvas torrenciais do inverno(...)








quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Histórias de O






Pauline Reage





O apartamento onde Ó morava estava situado na Ilha Saint-Louis, no último andar de uma velha casa que dava para sul, virada para o Sena. Os aposentos da parte de trás eram águas-furtadas, amplos e baixos, e os da frente, que eram dois, abriam-se para varandas cavadas na inclinação do telhado. Um deles era o quarto de Ó, o outro, onde, do chão ao tecto, numa parede, prateleiras com livros enquadravam a lareira, servia de salão, de escritório, e mesmo de quarto se se quisesse: havia um grande divã diante das duas janelas e em frente da lareira uma grande mesa antiga.(...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Este Pais Não é Para Velhos






Cormac McCarthy




(...)
A rua ainda estava vedada com fitas, mas não havia grande coisa para ver. A fachada do Hotel Eagle estava toda crivada de balas e havia cacos de vidro no passeio ao londo de ambos os lados da artéria. Os automóveis de pneus furados e vidros estilhaçados a tiro e com a chapa crivada de buracos, cada orifício orlado por um pequeno anel de aço sem pintura. O Cadillac fora rebocado e os cacos de vidro que cobriam o asfalto varridos para a berma e o sangue lavado com mangueiras.
Quem é que tu achas que estava no hotel?
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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Nove Semanas e Meia





Elizabeth McNeil




Ponho o cronómetro da cozinha para que toque dentro de meia hora. Serão então três da tarde, e submergir-me-ei na nova conta, uma grossa pasta que é preciso estudar. Planearei a minha estratégia. Enquanto isso, escreverei à máquina. Uma mulher contou-me o que tinha vivido com um homem o ano que passou a escrever o seu primeiro livro, e que ele, todas as noites, às onze em ponto, subia o volume da televisão e dizia:-Quando vais acabar de escrever à máquina?
Ela tornou-se perita em reconhecer o preciso instante em que tinha de parar, -entre as duas e três da manhã,- mesmo antes dele começar a atirar cadeiras, livros, garrafas.
(...)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Antologia de Autores Portugueses



 


Virginia Motta-Augusto Reis Góis-Irondino Teixeira de Aguiar




 

A Língua Portuguesa, de que muito justamente nos orgulhamos é obra de todos nós - do nosso esforço nasceu. Muitos séculos de convívio a aperfeiçoaram e poliram, muitos escritores a tornaram mais apropriada e mais dócil. Nem sempre foi assim, tão agressiva e harmoniosa: a nossa língua já foi rude e hesitante... Teve a sua infância.
O Poortuguês resultou da lenta, gradual evolução do latim que os colonos romanos trouxeram para a Península, após a conquista.(...)


sábado, 23 de outubro de 2010

Basta-me Viver



 


Carlos Vale Ferraz




 
A família Gonzaga é uma família vastíssima e antiquíssima em Luanda e arredores. O primeiro Gonzaga veio do Brasil no tempo de Salvador Correia de Sá e da invasão dos holandeses, no século XVI, e ficou por cá a cruzar-se com as filhas dos potentados locais para produzir os Ganzaga de casa, os de dentro, os legítimos, e a fazer filhos nas escravas, os filhos do quintal, os de fora, os bastardos.

Os Gonzaga resultantes das duas linhas eram todos mulatos, mas havia tonalidades diferentes e uns tinham olho azul, outros verdes e ainda outros castanho. Desenvvolveram o modo de se reproduzir do fundador da família e essa tornou-se a base do seu êxito como família de poder, porque, sendo legítimos ou bastardos, de casa ou do quintal, todos eram Gonzaga e muito cientes da sua posição.(...)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Amante de Lady Chatterley






D.H.Laurence







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Clifford tinha passado um período de tempo demasiado longo nas mãos de enfermeiras, e odiava-as porque não o deixavam ter a sua vida privada. E um criado!... detestaria ter um homem a encarregar-se dele. Quase preferia uma nulher. Mas porque não havia de ser Constance?
As duas irmãs pertiram na manhã seguinte. Constance parecia um cordeiro pascal, muito pequena, ao lado de Hilda, que ia ao volante.Sir Malcolm não estava em Londres, mas a asa de Kensington continuava aberta.
O médico observou Constance rigorosamente e fez-lhe todo o tipo de perguntas sobre a sua vida.
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domingo, 10 de outubro de 2010

Guia Prático da Revelação de Películas a Cores







Derek Watkins






A reprodução fotográfica da cor é na sua essência muito simples. Na película há três camadas de emulsão, seleccionadas de forma a que cada uma delas seja sensível a um terço do espectro da luz visível. A camada superior é sensível à luz azul, a segunda camada é sensível à luz verde e a terceira camada, junto do suporte transparente, é sensível à luz vermelha. Com estas três camadas é possível reproduzir qualquer cor.
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domingo, 3 de outubro de 2010

Um Crime no Expresso do Oriente






Agatha Christie






Mary Debenham estava sentada a uma das mesas grandes com duas senhoras. Uma delas era uma senhora alta de meia idade com uma blusa axadrezada e uma saia tweed. O cabelo de um tom amarelo pálido estava penteado desajeitadamente num grande carrapito, usava óculos e tinha um rosto comprido, meigo e afável como uma ovelha. Estava a ouvir a outra senhora, uma robusta idosa de rosto agradável que falava com uma voz lenta, clara e monótona que não dava mostras de parar nem para retomar o fôlego
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domingo, 26 de setembro de 2010

Raças de Gatos




Louisa Somerville






Os gatos começaram a ser domesticados na pré-história, há cerca de 5000 anos. Ao longo da história da humanidade, têm sido muito valorizados por eliminarem alguns roedores e pelas qualidades ornamentais. No entanto, considerando a nossoa longa relação com os felinos domésticos, os gatos de raça pura são recentes.
Quantas raças consegue identificar? Talvez reconheça algumas das seguintes: Persa, Tonquinês, Burmês. Estas são apenas algumas das cerca 40 raças reconhecidas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Emmanuelle






Emmanuelle Arsan





A tarde, além das vigias encobertas, de seda, passou sem que Emmanulle tivesse tempo de fazer outra coisa que não fosse comer doces, bebericar um chá, folhear, sem ler, uma revista enprestada pela hospedeira (recusou a segunda para não se distrair da novidade de "voar").

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sob os Telhados de Paris








Henry Miller






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Não percebo muito bem onde é que ela quer chegar, mas entretanto começa a falar de Jade. Existe uma pequena jóia, diz-me conspirativamente, que ela obteve há pouco tempo de contrabando, uma gema verdadeira que pertenceu a imperadores e que venderá por uma fracção do seu valor... e refere a importância que corresponde ao meu ordenado, quase até ao último tostão.
Fico furioso. É óbvio que há qualquer coisa de suspeito e tenho a impressão de que ela quer que eu compreenda que me está a levar.
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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

As Dez Figuras Negras







Agatha Christie







Foi tão súbito e inesperado que todos sustiveram a respiração. Ficaram estupidamente de olhos postos na
figura escolhida.
Em seguida, o Dr. Armstrong levantou-se de um salto e aproximou-se dele, ajoelhando-se a seu lado. Quando levantoua acabeça, a expressão dos seus olhos era de espanto.Num murmúrio soprado, carregado de pavor, disse:- Meu Deus! O homemestá morto.
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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Tarantin de Tarascon







Alphonse Daudet








O Cavaleiro do Templo dispondo-se a uma sortida contra o infiel que o sitia, o "tigre" chinês armando-se para a batalha, o guerreiro comanche palmilhando a vereda de ataque, tudo isto pouco ou nada é comparado com Tarantin de Tarascon a armar-se dos pés à cabeça para ir ao grémio, às nove horas da noite, uma hora depois do toque de recolher dos clarins.

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Segredos do Cosmos








Colin A. Ronan







O Sol é a estrela que se encontra mais próxima de nós no espaço, a uma distância de cerca de 150 milhões de quilómetros. A Terra descreve uma volta completa à volta do Sol no espaço de um ano, na companhia de uma multidão de outros corpos celestes. Podemos avistar alguns destes corpos, sem necessidade de telescópio, no firmamento nocturno, dando a impressão de vaguear entre as estrelas. (...)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Crónica de uma Travessia


Luis Cardoso



 

Díli ainda era uma cidade apagada de luz eléctrica quando fomos despejados na praia de Lecidere, próxima do Paço Episcopal. Dirigimo-nos à residência do bispo, o então D.Jaime Cardoso Goulart, que nos abençoou, ainda hoje não sei se com pena da minha família ou se abençoava a dura tarefa do desterrado pela profissão. Na praia, a minha mãe, angustiada, acendeu o petromax e percorreu toda extensão do areal para iluminar o mar em busca do beiro que nos haveria de transportar à ilha de Ataúro, a qual, no breu da noite, se dobrava sobre si mesma como uma tartaruga gigante feita terra para se eternizar.
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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Principios da Filosofia







Descartes






(...)
Ora como não é das raízes nem dos troncos das árvores que se colhem os frutos, mas tão-somente das extremidades dos ramos, a principal utilidade da filosofia depende, portanto, daquelas partes que são aprendidas em derradeiro lugar. Porém, as ignore quase todas, o zelo com que sempre me esforcei por prestar serviço ao público, levou-me a mandar imprimir, há dez ou doze anos, alguns ensaios sobre as coisas que me era dado supor haver abrangido. (...)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Passado e o Futuro







Álvaro Cunhal





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O terceiro erro dos capitalistas foi continuarem a fazer vida como dantes. Como se nada tivesse acontecido, como se os trabalhadores não tivessem agora a possibilidade de conhecer as suas falcatruas, os administradores continuaram a ir ao estrangeiro nas suas passeatas pagas pelas empresas. Continuaram a receber ajudas de custo de 2 contos diários e mais. Continuaram a ordenar que bancos e outras sociedades fizessem empréstimos de milhares de contos, sem juros, às mulheres e outros familiares. Continuaram a pagar à conta das empresas, moradias, carros, prendas de anos, almoços diários nos restaurantes mais caros. Para comprar moradias e outros bens, o Cardoso da Fundição de Oeiras desviou mais de 100.000 contos de créditos concedidos á empresa. (...)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Mandarim







Eça de Queirós





(...)
Então, pensando em Lisboa, o meio dormente em que me movia, era favorável ao desenvolvimento dessas imaginações - parti, viajei sobriamente, sem pompa, com um baú e um lacaio.
Visitei, na sua ordem clássica, Paris, a banal Suiça, Londres, os lagos taciturnos da Escócia; ergui a minha tenda diante das muralhas evangélicas de Jerusalém; e de Alexandria a Tebas, fui ao comprido desse longo Egipto monumental e triste como o corredor de um mausoléu.
(...)

domingo, 1 de agosto de 2010

História Geral da Civilização







Adriano Vasco Rodrigues





Não podemos hoje compreender a génese e a elaboração das bases materiais e espirituais, e particularmente da civilização ocidental, se não conhecermos os notáveis progressos realizados pela revolução arqueológica que, em menos de um século, descobriu milhares de anos de existência humana sobre a Terra. (...)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Páginas Escolhidas







Oliveira Martins







Poucas individualidades haverá que representam mais completamente a história do que Alexandre, e nenhuma que de um modo tão acabado venha consumar os destinos marcados pelas circunstâncias à vida de uma nação.Por isso a história viu sempre em Alexandre o primeiro dos seus heróis. A deslumbrante violência com que, rompendo as fronteiras da Grécia antiga, e alargando o Império Helénico pelo mundo então conhecido, satisfaz os inconscientes desejos dum pensamento já demasiado largo para os limites da anfictionia histórica; o modo por que realiza na história política e militar as ideias gerais (...)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Roteiro da Cidade de Deus







M. Alves de Oliveira






O estado "paradisíaco" em que foi criado o primeiro casal humano tem como característica essencial a familiaridade com Deus, inerente ao destino sobrenatural a que Deus destinara os homens, isto é, à participação da própria vida divina. Orientados para a visão beatífica, os nossos primeiros pais mantinham, desde o oinício, relações de amizade com Deus, em virtude dos dons de santidade e justiça - não devidos à sua natureza humana - e aos quais estavam unidos os dons da imortalidade corporal e o perfeito domínio das paixões (...)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Górgias






Platão





Sócrates - Muito bem. Ora, uma vez que te apresentas como alguém versado na arte da retórica e capaz de formar outros oradores, diz-me qual é o objecto da retórica. A tecelagem, por exemplo, trata da fabricação do vestuário, não é verdade?

Górgias - Trata.

Sócrates - E o objecto da música é a composição de melodias?

Górgias - É

Sócrates - Por Hera, Górgias, admiro as tuas respostas, que mais breves não podiam ser.

Górgias - Também creio, Sócrates, que não me saio disto nada mal.
(...)

terça-feira, 6 de julho de 2010

Comentários Reais







Inca Garcilaso de La Vega





(...)
O Inca Manco Capac, ao mesmo tempo que fundava os seus povoados e ensinava os seus vasssalos a lavrar a terra e a construir casas, a tirar acéquias e a fazer as demais coisas necessárias à vida humana, ía-os instruíndo na urbanidade, companhia e fraternidade que deviam fazer uns com os outros, conforme ao que a razão e a lei natural lhes ensinavam, convencendo-os com muita eficácia de que, para que entre eles houvesse perpétua paz e concórdia e não nascessem rancores nem paixões, deviam fazer com todos o que quisessem que todos fizessem com eles; porque não se permitia querer uma lei para si e outra para os outros.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Dia dos Prodígios







Lídia Jorge





(...)
Mantinha a mãe o cabelo de anéis cinza jaspeados, nunca dispostos como durante a penteadura. Se os soltasse eles se alvoraçariam pelos ares, fartos e ondulados como os das mulheres que um dia tinham chegado ao largo pregando num tom desusado de palavras o que nos frascos traziam. E piscavam o olho direito demoradamente. Arredondando a boca vermelha de lacre. Um alixir. Juba. Juba del lion espanhol. Mira qué guapo. Bailando as trunfas. Soltos e anelados, loiros e viridescentes, brilhantinados de cheiro e macieza. Como em tempos meus. Compre osté. (...)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Cadernos


Juventude e Cultura




Fidel Castro





(...)
Em todos nós há um sentimento de ódio contra a injustiça e contra os abusos. Ninguém está de acordo quando, na escola, o maior empurra o mais pequeno; toda a gente despreza o que, na escola, quer impor-se pela força abusando dos seus companheiros. E isso era o que estava a ocorrer em todo opaís: os fortes, porque tinham armas na mão, abusavam do povo que era débil. Por isso, quando uma vez, ao falarmos do papel que desempenhavam aquele soldados, dissemos que um dia a fortaleza de Columbia, se converteria numa escola, estávamos a expressar o desejo mais profundo de todos nós.
(...)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

As Duas Sombras do Rio







João Paulo Borges Coelho





Jonas levou o recado logo de manhã, acompanhado de um bando de crianças de curiosidade insaciável que ele afastava com um pau que levava na mão mas logo se voltavam a concentrar em seu redor.
Nganga Gomanhundo esperava. Tinha desde o dia anterior a certeza de que acabariam por vir ter com eele.É sempre a mesma coisa: as pessoas andam de roda da enfermeira Inês à procura de coisas novas, desprezando a tradição. Não é que o Nganga seja avesso ao progresso. Afinal, ele próprio foi há dias pedir à enfermeira Inês que lhe curasse uma ferida feia que um prego lhe fez no pé. (...)

sábado, 12 de junho de 2010

Amor de Perdição







Camilo Castelo Branco






Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Menezes, fidalgo de linhagem e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama dp Paço, D.Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo Branco, filha dum capitão de cavalos, e neta de outro, António de Azevedo Castelo Branco Pereira da Silva, tão notável pela sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca de Arte de Guerra.
Dez anos de enamorado, mal sucedido, consumira en Lisboa o bacharel provinciano. Para dazer-se amar da formosa dama de D.Maria I minguavam-lhe dotes físicos.(...)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Quantas Madrugadas Tem a Noite








Ondjaki





Sabes o que é não sentir o coração e sentir o coração, tud'uma batida só, sangue leve ao peito e lágrimas limpas a escorrer? Faz conta foste na pesca, rede e tudo, e em vez do peixe grande meteste a rede na água e te veio uma nuvem? Se é imposssível? Eu sei lá, avilo, eu sei lá...Desde candengue que ando então a ver as nuvens dançar nas peles do mar, e me pergunto: assim calminho, liso tipo carapinha com desfrise, o mar não tem nuvens dele também? (...)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Poemas Escolhidos






Mário de Sá Carneiro








Anto

Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de Ópio - Íris-abandono...
Saudades de luar, tinbre de Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...

O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das ternuras magoadas,
O príncipe das Ilhas transtornadas -
Senhor feudal das Torres de marfim...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O Guardador de Rebanhos






Alberto Caeiro







I

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planicie
E se senta a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Mensagem






Fernando Pessoa






Viriato

Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, a raça, porque houvesse
Memória em nós do instinto teu.

Nação porque reincarnaste,
Povo porque resuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste -
Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquella fria
Luz que precede a madrugada,
E é já o ir a haver o dia
Na manhã, confuso nada.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Nação Crioula







José Eduardo Agualusa






Carta a Madame de Jouarre

Luanda, Maio de 1868

Minha querida madrinha,
Desembarquei ontem em Luanda às coatas de dois marinheiros cabindanos. Atirado para a praia, molhado e humilhado, logo ali me assaltou o sentimento inquietante de que havia deixado para trás o próprio mundo. Respirei o ar quente e húmido, cheirando a frutas e a cana-de-açúcar, e pouco a pouco comecei a perceber um outro odor, mais subtil, melancólico, como o de um corpo em decomposição. (...)

terça-feira, 11 de maio de 2010

O País do Carnaval






Jorge Amado




Entre o azul do céu e o verde do mar, o navio ruma o verde-amarelo pátrio.
Três horas da tarde. Ar parado. Calor.
No tombadilho, entre franceses, ingleses, argentinos e ianques está todo o Brasil (Evoé, Carnaval!!).
Fazendeiros ricos de volta da Europa, onde correram igrejas e museus. Diplomatas a dar ideias de manequins de uma casa de modas masculinas... Políticos imbecis e gordos, suas magras e imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores.
Lá no fundo, namorando o mistério das águas, uma francesa linda como as coisas caras, aventureira viajada, da qual se dizia conhecer todos os paises e todas as raças, o que equivale a dizer que conhecia toda a espécie de homem, tolera, com um sorriso condescendente, o galanteio juliodantesco de uma dúzia de filhos-família brasileiros e argentinos:
- A senhorita é linda...
(...)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Formação Corporativa






Antonio Matoso e Antonino Henriques





"Esta disciplina destina-se, pois, a auxiliar a formação da consciência cívica dos alunos. Sem ela o programa educativo da escola profissional ficaria imcompleto.
O ensino há-de desenvolver-se em plano adequado à compreensão dos alunos, devendo o professor recorrer com frequência a analogias e exemplos extraídos da vida corrente, às mais salientes e conhecidas lições da história e ao confronto das realidades sociais e políticas portuguesas com as de outros povos contemporâneos, dominados por idiologias inconciliáveis com o espírito ocidental e cristão, raiz mais forte do corporativismo portugês."

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Manual Prático do Artista






Ray Smith








A maioria dos artista lembra-se bem da emoção experimentada ao defrontar-se pela primeira vez, qualquer que tenha sido a idade ou etapa da vida, com os materiais do seu oficio. Havia algo de muito especial nas formas, odores e cores dos pêlos dos pincéis e das tintas de óleo, por exemplo, e uma sensação de antecipação das possibilidads e oportunidades que esse material encerra.(...)

sábado, 24 de abril de 2010

Olhar a pintura





Caroline Desnoettes





"O primeiro mérito de um quadro é ser uma festa para a vista"

Eugène Delacroix

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Manual de Fotografia







John Hedgecoe



Um guia essencial da autoria do mestre da fotografia de renome internacional, John Hedgecoe.
Uma referência para todos os fotógrafos, que inclui informações sobre tecnologia digital mais recente.
Mais de 1000 fotografias magníficas do próprio autor mostram exactamente como tirar boas fotografias.
Foca de uma forma acessível e abrangente equipamento, técnicas e criatividade, desde o básico até ao avançado.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Basic





(publicação de 1984)





Alain Checroun




A micro-informática permite encarar aplicações que tocam a nossa vida quotidiana, tanto profissional como familar.
O tamanho reduzido dos computadores actuais, a sua fiabilidade (portanto, a pouca necessidade de manutenção e, por último, o seu baixo custo colocam estes utensílios ao alcance de todos.
(...)

sábado, 10 de abril de 2010

Álbum de Família







Óscar Lopes





Os textos reunidos neste volume encontram-se dispersos e quase todos eles praticamente inacessíveis ao leitor português actual. Os dois mais antigos datam de 1946: uma conferência sobre Oliveira Martins, proferida no Clube dos Fenianos Portuenses, e um prefácio a uma antologia de poetas parnasianos e realistas portugueses, que constituem os dois capítulos finais. (...)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Resumo - a poesia em 2009


(antologia)





A.M. Pires Cabral

A Andorinha ou Tudo é relativo





Da andorinha dificilmente se dirá
que é um animal feroz. Pelo contrário,
convém-lhe adjectivos como grácil.

Mas a grácil andorinha abre
para o mosquito uma boca aterradora.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Exposição de Obras Antigas e Revistas Portuguesas de Farmácia



(por ocasião do)


XXXII Congresso Int.de Ciências Farmacêuticas




Exposições como estas quase não necessitam de justificação, muito particularmente quando se integram em manifestações culturais ou científicas da índole daquela que presentemente tem lugar em Lisboa com a realização do 32º Congrasso Internacional de Ciências Farmacêuticas.
(...)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Leya Contos





Coletânea






Há sempre folhas a cair numa cidade distante.Recordo-me daquele Setembro em S.Francisco. As folhas íam no vento em Haight-Ashbury. E eu pensava que também nós. Havia ainda nas montras livros de Keroac e de Ginsberg, mas os hippies já não se sentavam nas soleiras das portas.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Médico em Casa






Ramiro da Fonseca




Porque todos temos um pouco de médico e de louco, é preciso não consentir que o louco se ponha a fazer de médico, e o médico a proceder como louco. O primeiro por loucura e o segundo por ignorância, não têm a consciência do que fazem. Da parceria resulta o desastre; e foi para evitar o desastre que o autor escreveu e o editor publicou O Médico em Casa.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Frelimo-História de Moçambique






Frelimo




Muitos dos povos que habitam o sul do deserto do Sahara vieram da região dos Grandes Lagos (Vitória, Alberto, Rudolfo, Eduardo, Tanganhica,etc.).
As migrações foram deslocações africanas, muitas vezes em grupos de tribos. Estas migrações sucederam-se durante séculos e só acabaram nos pricípios do século XVIII.
As migrações era, na sua maioria, pequenas deslocações em etapas não superiores a 100 kilómetros, o que representa uma marcha de 2 ou 3 dias. (...)

sábado, 13 de março de 2010

Jim o Sortudo






Kingsley Amis





-No entanto, cometeram um erro bastante patético.- disse o catedrático de História, e Dixon observou como o seu sorriso desaparecia gradualmente sob a superfície da sua expressão, afastado pela recordação.- Depois do intervalo, executámos uma pequena peça de Dowland...-continuou- Para flauta de bisel e piano, está a ver? Eu toquei a flauta de bisel, claro, e o jovem Johns...-Fez uma pausa e o seu tronco tornou-se rígido enquanto caminhava.(...)