sábado, 17 de outubro de 2009

Medeia


(Teatro)


Mário Cláudio



Medeia-

"A chuva desta noite espalhou pela terra as azeitonas antes que amadurecessem." O texto de Eurípedes não contém, mas devia conter, uma fala assim. Bem mais felizes terão sido as mulheres antigas, descidas de um reino de taças de veneno e de tronos derrubados, desgrenhando a cabeleira no ventre dos amantes. Pariam em sangue, em sangue assassinavam, "Quem mais", perguntariam elas, "deterá o direito de tirar a vida do que as que a sentiram crescer nas entranhas?" Quando engravidei do mais novo, andava na contemplação das grandes virgens, a Antígona, a Ifigénia, a Ofélia. Parecia-me o menino uma impertinência, provocada pelo homem que nunca me pertencera, e a quem eu afrontava com estas coisas, "Dizias tu que só os tipos vulgares se interessam pelas mulheres muito jovens, e mesmo nisso não deixavas de mentir." Consenti que o pequeno nascesse porque tinha a certeza de que viria a ser um fraco, e não achava na altura castigo melhor para o que o engendrara.

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